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Mensalão: da crise ao sufrágio

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A entrega de dinheiro a deputados federais por parte do Executivo brasileiro, através de uma mesada, denominada de “mensalão”, em troca de apoio do Congresso para aprovação de sua agenda, é registrada como um dos maiores casos de corrupção nos últimos tempos.

Em 06 de junho de 2005, Roberto Jefferson, então deputado federal e aliado do governo Lula, concede uma entrevista ao jornal Folha de São Paulo, acusando o PT de comprar apoio de parlamentares da base aliada, pagando mesadas.

Na mesma reportagem, o deputado afirma que os chefes do esquema são o então ministro José Dirceu, o presidente do PT, José Genuíno, e o tesoureiro, Delúbio Soares. O país assistiria, a partir daí, um dos escândalos políticos mais noticiados dos últimos tempos. Mais de 40 integrantes do governo e do PT foram afastados.

O escândalo do mensalão é o estopim de uma crise política que ocorreu no final do primeiro mandato de Lula e em meio a sua reeleição.

Apesar da crise e dos escândalos de corrupção divulgados na imprensa, Lula foi reeleito com mais de 58 milhões de votos, cerca de 61% dos votos válidos (Fonte: TSE).

Para explicar o paradoxo do sucesso de Lula na sua reeleição, apesar dos escândalos de corrupção, contamos com a conjugação de fatores relacionados à pessoa de Lula, as características do comportamento do eleitor brasileiro e situação socioeconômica do país.

Por outro lado, outro aspecto que chama atenção é saber como um sistema político formado por um presidencialismo de coalizão institucionalizado, onde o presidente e os líderes dos partidos dispõem dos recursos necessários para manter uma disciplina partidária, leva o Executivo à prática criminosa de subornar deputados em troca de apoio parlamentar para garantir a governabilidade.

Em um presidencialismo multipartidário, com um sistema de partidos fragmentado e representação proporcional de lista aberta, o Executivo utiliza a distribuição de pastas ministeriais como forma de cooptar apoio do congresso para aprovação de sua agenda, propiciando uma maior disciplina partidária (Limongi e Figueiredo, 1998, p. 81).

Desde a Constituição de 1988, o Poder Executivo dispõe das mesmas ferramentas institucionais para conseguir a cooperação do Legislativo, mas cabe a cada presidente os diferentes matizes do poder de barganha e as táticas para obter o sucesso junto ao legislativo, incluindo a decisão quanto à proporcionalidade da representação dos partidos da base de sustentação dentro dos ministérios.

No governo de Lula, essa proporcionalidade não se deu de forma equilibrada. Para satisfazer as pressões internas do PT, Lula concedeu 20 dos 33 ministérios ao partido, algo em torno de 60%, mas só representava 29% da maioria legislativa.

Pode-se concluir que apesar de Lula formar um governo de coalizão, não houve partilha efetiva de poder, o que gerou insatisfação por parte de alguns partidos aliados, gerando desequilíbrios internos que acabaram por desembocar numa crise política, cujo estopim foi o escândalo do mensalão.

O gráfico demonstra a discrepância da presença dos respectivos partidos nos governos de Lula (PT) e de FHC (PSDB).[1]

Governos FHC (1995-2002) e Lula (2003-2008) Partidos da coalizão presentes no gabinete presidencial

Imagen3

Quanto ao comportamento do eleitorado, estudos realizados sobre as razões que movem o eleitor brasileiro revelam uma aparente contradição entre um eleitorado cético com a política e os políticos, mas que a cada eleição se renovam as esperanças de votar em um “bom candidato”, seguindo razões personalistas, utilizando-se de dimensões valorativas de ordem moral.

O personalismo político é reforçado pela autonomia do candidato, que nas campanhas eleitorais se apresenta de forma individualista, fazendo com que o eleitor prefira a pessoa ao partido (Silveira[2], 1998, apudRadmann, 2001, p. 103/105). A tabela[3] abaixo revela essa diferença.

Motivos pelos quais os eleitores intencionavam votar no candidato do PT em relação a questão estimulada da intenção de voto

Imagen4

Fonte: Pesquisa de opinião realizada em Pelotas em 18 e 19/08/2000; pesquisa de opinião realizada em Santa Maria em 13/09/2000; Pesquisa de opinião realizada em Caxias do Sul em 22/09/2000; pesquisa de opinião realizada em Bajé em 26/09/2000.

A cultura política cética da maioria do eleitorado brasileiro distancia o eleitor da política e favorece a personificação política, transformando o momento da eleição em um dos poucos momentos de participação política (Magalhães[4], 1998, apudRadmann, 2001, p. 259).

De outra parte, a expansão dos programas assistenciais, uma inflação estável, além de uma população de baixa renda desinformada com os acontecimentos da política são fatores que favorecem a Lula, que já é bastante conhecido pelo eleitorado e aspira “confiança”, por uma relação de identificação com a população de baixa renda.

Por fim, podemos concluir que um presidencialismo de coalizão, por si só, não garante a estabilidade política de um governo, mas a proporcionalidade entre a representação dos partidos nos ministérios e a importância que esses partidos representam junto ao Poder Legislativo é uma variável importante para manter o equilíbrio político e a governabilidade.

Ademais, o padrão de comportamento seguido pela maioria do eleitorado brasileiro, considerado de pouca sofisticação política, de caráter cético e personalista leva a um distanciamento da política e um desencanto com a democracia. Esse eleitorado se torna insensível aos escândalos de corrupção, sendo comum a recondução ao cenário político brasileiro de candidatos que estiveram envolvidos com desvio de recursos públicos, o que é lamentável para a qualidade da democracia no Brasil.


[1] Gráfico retirado do capitulo 5, intitulado “Ministros da Nova República e dirigentes públicos do governo Lula da Silva”, do livro “A Elite Dirigente do Governo Lula” / Maria Celina D’Araújo; participação de Camila Lameirão – Rio de Janeiro: CPDOC/FGV, 2009, pág. 123.

[2]Silveira, Flavio E. 1998. A decisão do voto no Brasil. Porto Alegre: EDIPUCRS.

[3] A tabela foi retirada da dissertação “O eleitor brasileiro uma análise do comportamento eleitoral” de Elis Rejane HeinemannRadmann, apresentada à banca examinadora do Programa de Pós-graduação em Ciência Política da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre, maio de 2001.

[4] Magalhães, Nara Maria E. 1998. O Povo Sabe Votar: Uma visão antropológica. Petropolis, RJ: Vozes.

Referencias

Amaral, O. 2010. “Adaptação e resistência: o PT no Governo Lula entre 2003 e 2008”. Revista Brasileira de Ciência Politica, (4): 105-134.

Amorim Neto, O. y Coelho C. Frederico Coelho. 2007. “Un año inolvidable: violencia urbana, crisis política y el nuevo triunfo de Lula en Brasil”. Revista de Ciência Politica, Volume Especial, 2007/ 59-78.

Amorim Neto, O. 2000. “Gabinetes presidenciais, ciclos eleitorais e disciplina legislativa no Brasil”. Dados [online]. 43 (3): 479-519.

D’Araújo, M.C. and Lameirão, C. 2009. “A Elite Dirigente do Governo Lula”. Rio de Janeiro: CPDOC/FGV, 105-125.

Limongi, F. and Figueiredo, A. 1998. “Bases institucionais do presidencialismo de coalizão”. Lua Nova [online]. (44): 81-106.

LippePasquarelli, B. V. 2010. “Formación de Coaliciones y Apoyo Partidario en el Presidencialismo Brasileño y Chileno”. Congreso Internacional 1810-2010: 200 años de Iberoamérica. XIV Encuentro de Latinoamericanistas Españoles.

Radmann, E.R. H. 2001. “O eleitor brasileiro uma análise do comportamento eleitoral”. Dissertação apresentada à banca examinadora do Programa de Pós-graduação em Ciência Política da Universidade Federal do Rio Grande do Sul para a obtenção de título de mestre em Ciência Política. 285p.

Santos, F. 2002. “Partidos e Comissões no Presidencialismo de Coalizão”. vol.45, n.2, pp. 237-264.


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